segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Filho do outro


Vivemos no país da picaretagem, da violência gratuita, da impunidade, da ausência e da inoperância do Estado em setores cruciais, da baixa instrução do povo, do mau gosto, da elite insensível, dos partidecos que viram moeda de troca... Chega. Já estou ficando piegas e demagogo. Digo isso do Brasil, para mostrar que há exemplos raros de nobreza de caráter ao ponto do altruísmo. Relatarei um caso assim, de um brasileiro benevolente. Até acho que é por causa de pessoas assim que ainda não nos destruímos como sociedade.
O golpe telefônico do falso seqüestro aterrorizou muita gente em São Paulo e outras capitais do nosso Sudeste. E lá se vão mais ou menos dois anos. Na época, meu chefe me incumbiu de fazer uma pauta sobre tão candente assunto. Lá fui eu entrevistar o delegado titular da Delegacia Anti-seqüestro, na Capital. Bastante solícito e educado, o policial mostrou ser ótimo entrevistado, pleno de informações e de histórias curiosas, algumas dramáticas, outras patéticas e até as divertidas.Como gosto de historinhas, cá vai uma assaz interessante do delegado, cujo nome infelizmente esqueci. Incluí o fato na matéria, junto com outras duas historinhas sobre vítimas do golpe.
Triiiim!!! Catorze horas da tarde. Toca o telefone na casa de um senhor que vive só. Do outro lado da linha, uma voz alta e ameaçadora diz que seqüestrou o filho do homem e pede “trocentos real” de resgate. O dinheiro deve ser depositado em determinada conta de poupança em tal banco em até uma hora, no máximo. O homem anota tudo e se dirige ao banco.Agora, um adendo. Por quê poupança? O delegado me disse que este tipo de conta é muito fácil de abrir em qualquer banco, por não exigir os mesmos cuidado e burocracia da conta corrente. Poupança não dá cheque, limite, nem permite saque a mais do que lá tem. Com documento falso é pá-pum – abriu a conta.
Pois bem, o homem depositou o dinheiro e voltou para casa aliviado. No entanto, ele só foi dar queixa na delegacia uma semana depois. Agora o curioso da história: o homem não tinha filhos.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Vida de cão


Izolino acabou de receber pelo trabalho de quinze dias. Havia rebocado e assentado piso e azulejo no banheiro do bar do Maranhão. O botequeiro, conhecido sovina do bairro, reclamou, chorou e pagou uma quantia menor que a combinada. Mesmo contrariado, Izolino aceitou e saiu.A caminho de casa, parou na padaria para levar um frango assado e quentinho para sua família.


Enquanto o funcionário da padaria retirava o frango, Izolino observou um cachorro que havia um bom tempo estava parado em frente à máquina de assar. O bicho admirava os frangos a rodar e a se queimar. Olhava tão intensamente que parecia estátua. Apenas a cauda e os pequenos olhos se movimentavam.Izolino pegou alguns restos de carne na bandeja e jogou para o cão, mas este não se interessou. Permaneceu parado. Izolino arrancou uma coxa do seu frango, deu uma mordida impetuosa, com a fome de um lobo siberiano, que um pedaço caiu em seu bolso. Ele pegou de volta e comeu, embora sentisse um cheiro de cimento na carne.


Saciado, Izolino voltou os olhos ao cachorro, cuja língua estava tão esticada quanto uma gravata vermelha. Condoído, jogou o osso da coxa para o animal. Novamente, o vira-lata continuou impassível. “O que este bicho quer? “, pensou. Ao dirigir-se ao caixa da padaria para pagar, Izolino deixou o frango numa cadeirinha do balcão, enquanto procurava a carteira no bolso. Neste instante, o cachorro abocanhou o frango inteiro e correu. Izolino tentou ir atrás. Inútil. E ainda teve de pagar.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

ETeimosa


Sempre que Vandemílton chegava um pouco mais tarde lá vinha a bronca de Joselma, com sua voz metálica inconfundível.- Saiu com sua amante de novo, é?- O ônibus demorou a passar, justificou o marido.A mulher, como era de esperar, não acreditou e desfiou um rosário de impropérios em cima do companheiro. Joselma dizia que ele sempre tinha uma boa desculpa para justificar sua sem-vergonhice.Vandemílton era metalúrgico, trabalhava numa fábrica de chaves, fechaduras, cadeados, taramelas, trincos, dobradiças e outros dispositivos para prender ou fixar alguma coisa. Apertava parafuso o dia todo. Sofria de uma tendinite eterna na munheca direita. Mas tinha medo de entrar no seguro, ficar bom e não mais encontrar o trabalho na volta. Às vezes o punho doía até mesmo ao levar o garfo à boca.Alguns dias por semana fazia horas extras e chegava tarde da noite em casa. Mesmo assim encontrava Joselma inflexível.- Hora extra, nada. É alguma vagabunda que você encontrou no ponto de ônibus. Esta cidade tá cheia de mulher que quer coisa com homem casado e você ainda...Na verdade, Vandemilton era tão tímido que, se uma mulher lhe desse bola, ele acharia que ela era zarolha e estava olhando para alguém do seu lado. Depois de 13 anos de casado, já estava acostumado aos acessos de Joselma, sua única namorada na vida e aceitava as cenas de ciúme com galhardia. Pouco discutia.Nas noite em que Joselma dormia nervosa, Vandemílton não a procurava na cama, fato que a irritava ainda mais. O ciúme dela aumentou depois que descobriu um telefone de mulher no bolso do uniforme de Vandemílton, na hora de lavar a peça no tanque. Foi uma noite de desaforos e palavrões impublicáveis. Nem Joselma imaginava conhecer vocabulário tão chulo. Nem adiantou Vandemílton provar que aquele telefone era da concessionária de água e a mulher, atendente do serviço ao cliente. Ele tinha ligado para mudar a data de vencimento da conta e deixara o telefone com o nome da funcionária no bolso do macacão.Quanto aos outros atrasos, ele não mentia. Realmente chegava mais tarde por causa do trânsito, do ônibus e por outras adversidades da vida de quem mora na periferia de grandes cidades.Naquela noite, o cobrador e um passageiro brigaram no ônibus por causa de dez centavos. O homem esmurrou o cobrador, provocando rompimento no supercílio. O sangue desceu, fez meleca nas notas da gaveta e o motorista teve de parar na delegacia para lavrar a ocorrência. Vandemílton chegou três horas mais tarde em casa.- Qual a desculpa de hoje, seu à toa.- Fui seqüestrado por um disco voador. Horas depois os ETs descobriram que eu era o homem errado e me deixaram em frente de casa, pelo menos economizei um vale-transporte.- Essa é nova. Foi a vagabunda quem te ensinou? Porque você não conseguiria pensar nessa história sozinho. - Mas é verdade. Posso provar, assegurou Vandemílton e abriu a porta.Um ser estranho, com quatro braços, três pernas, um só olho em cada uma das duas cabeças, gosmento, exalando um gás malcheiroso, alto, magro e de cor indefinível sentou-se no sofá, para espanto de Joselma.- É o meu seqüestrador, apontou o marido.Refeita do susto, Joselma não se deu por vencida. Pôs o pano de prato no nariz e perguntou com voz nasalada.- É macho ou fêmea?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O que é a fofoca


Esta crônica é baseada numa fábula que ouvi certa feita num filme

Talvez tomada pela consciência pesada, a senhora foi até a igreja se confessar.
- Padre. Acho que cometi pecado.
- O que a senhora fez?
- Eu fofoquei para minhas amigas sobre uma pessoa. Baseei-me apenas em suspeitas sem ter certeza absoluta sobre o que contava.
- Não vou perdoá-la, agora. Antes a senhora terá que voltar a sua casa, pegar um travesseiro, subir no telhado e cortar o travesseiro várias vezes com a faca para que todo seu preenchimento saia. Assim ela fez e no
dia seguinte retorna ao confessionário e relata ao padre.
- Pois bem, a senhora volta para sua casa e recolha tudo o que saiu do travesseiro.
- Impossível padre. O vento espalhou todas as penas pela rua e pelos quintais. Não tenho como recuperar.
- Agora eu acho que a senhora entendeu o que é a fofoca.