Darmiel apertou o botão e seu torno parou de funcionar. Retirou a ferramenta usada e gasta e foi ao almoxarifado pegar outra. Enquanto trocava o dispositivo, para usinar uma nova peça, olhou a máquina ao lado, desligada há dois dias, esperando um novo profissional, e lembrou de seu antigo operador, o amigo Valtercides, o Cidão. Que vida besta meu Deus!, pensou Darmiel.Seu colega havia sido morto num assalto, quando chegava à noite em casa. Coitado. Logo agora que ele estava tão contente com o torno novo, importado da Alemanha, dotado de comando numérico computadorizado e software de última geração. Cidão havia feito um mês de curso para trabalhar no equipamento. Até algumas palavras de alemão o danado falava.Eles se conheciam desde os tempos de Senai. E lá se iam os anos. Fizeram estágio juntos. Foram efetivados no mesmo dia. Grande amigo, o Cidão, lastimou Darmiel. Quem iria acompanhá-lo agora na cachaça das cinco, no boteco do Paraíba? Toda tarde, logo que saíam do trabalho, tomavam um copo da boa. E agora? Neste instante, Darmiel teve uma idéia. Tomaria dois copos de pinga. Um para ele, outro em homenagem ao amigo, alijado do mundo dos vivos tão precocemente.No início, o botequeiro achou estranho. Mas com o tempo foi se acostumando. Assim que Darmiel entrava no bar, lá vinha o Paraíba com dois copos de cachaça. Ele bebia o seu e lambia o beiço. Depois falava o nome de Cidão e despejava, feliz, o segundo trago goela abaixo.Uma bela tarde, assim que o freguês entrou no boteco, Paraíba depositou os dois copos cheios no balcão, como sempre. Darmiel disse que a partir daquele dia tomaria apenas um copo de pinga. Por que? Indagou o dono do boteco. Ao que Darmiel respondeu: “Parei de beber”.
terça-feira, 3 de maio de 2011
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
De gato e sapato
Paulote caminha lentamente pela rua a arrastar seu carrinho. Fica nervoso e xinga cada vez que precisa se desviar dos automóveis em movimento ou até mesmo dos estacionados na calçada, fato que atrapalha por demais seu trabalho de procurar e recolher papelão para vender. Nunca imaginou, ao chegar nesta cidade grande, que não encontraria trabalho de carteira assinada e acabaria virando mesmo um catador de papelão.
Por uns tempos amaldiçoou seu destino e sentiu vontade de voltar de onde veio. No entanto, perdeu seus documentos e nunca conseguia juntar dinheiro suficiente para comprar passagem. O tempo passou, Paulote se acostumou à sua vidinha, principalmente depois que arrumou um barraco numa favela em baixo de um viaduto. Parou de morar na rua, roubou o carrinho de um catador bêbado, que mal se defendeu na hora do assalto, e assumiu a vida de catador de papelão. Depois expandiu o negócio, com garrafas PET e latinhas de alumínio. Talvez por praga do bêbado, do qual ele roubou o carrinho, começou a tomar pinga todo dia a ponto de tornar-se um viciado. Não consegue ficar mais de quatro horas sem tomar uma.
Como faz quase todo dia, quando não muda de itinerário, para seu carrinho em frente ao mercadinho e começa a recolher caixas de papelão deixadas na calçada. Algumas, amassadas, outras, inteiras. Estas últimas Paulote tem de dobrar para não ocupar muito espaço em seu carrinho. Pega uma delas, joga no chão e, na hora de pisar para desmontar, nota que há algo dentro da caixa. Abre e vê no cantinho um filhote de gato a dormir. O bichinho curte o sono do inocentes, sem saber o que pode acontecer com ele. O achado toca fundo o coração de Paulote, que arruma um lugar que caiba a caixa inteira, bem no meio do carrinho. Resolve levar o gato para casa. “Mas, fique sabendo, vai passar fome comigo”, vocifera.
Já são cinco horas da tarde e o sol começa a se despedir lentamente na linha do horizonte. A garganta de Paulote pede um trago de cachaça, seus lábios começam a se umedecer, suas mãos tremem. Sinais característicos de que é hora de tomar uma. Para no boteco e toma logo dois copos seguidos. Enxuga o beiço com a camisa velha, cospe duas vezes na calçada e senta-se em cima da guia com os pés no meio-fio da rua.
Durante o dia, come apenas uma coxinha e duas bananas. Com o estômago vazio, a bebida penetra em seu cérebro com a velocidade de um antílope que foge das garras do leão. Sentiu suor na testa, turbidez na visão e tontura.
Fica com a cabeça entre os joelhos um bom tempo até sentir-se melhor para continuar a andar com seu carrinho, pois precisa entregar o material até as 19 horas. Caso contrário não terá dinheiro para o fim de semana. Ainda tonto, levanta-se e nota que uma das caixas, bem no meio do carrinho, ainda está inteira e o homem que compra seu material só aceita o papelão desmontado. Pega a caixa, atira ao chão e pisa em cima várias vezes até ficar do jeito que quer. Enquanto pisa, parece ouvir algum barulho, passarinho piando, criança chorando ou qualquer outra expressão sonora de lamento. Olha para os lado e nada vês. Então, Paulote põe o papelão de volta no carrinho e se dirige ao comprador, com a certeza de que sua cachaça do final de semana está garantida.
Por uns tempos amaldiçoou seu destino e sentiu vontade de voltar de onde veio. No entanto, perdeu seus documentos e nunca conseguia juntar dinheiro suficiente para comprar passagem. O tempo passou, Paulote se acostumou à sua vidinha, principalmente depois que arrumou um barraco numa favela em baixo de um viaduto. Parou de morar na rua, roubou o carrinho de um catador bêbado, que mal se defendeu na hora do assalto, e assumiu a vida de catador de papelão. Depois expandiu o negócio, com garrafas PET e latinhas de alumínio. Talvez por praga do bêbado, do qual ele roubou o carrinho, começou a tomar pinga todo dia a ponto de tornar-se um viciado. Não consegue ficar mais de quatro horas sem tomar uma.
Como faz quase todo dia, quando não muda de itinerário, para seu carrinho em frente ao mercadinho e começa a recolher caixas de papelão deixadas na calçada. Algumas, amassadas, outras, inteiras. Estas últimas Paulote tem de dobrar para não ocupar muito espaço em seu carrinho. Pega uma delas, joga no chão e, na hora de pisar para desmontar, nota que há algo dentro da caixa. Abre e vê no cantinho um filhote de gato a dormir. O bichinho curte o sono do inocentes, sem saber o que pode acontecer com ele. O achado toca fundo o coração de Paulote, que arruma um lugar que caiba a caixa inteira, bem no meio do carrinho. Resolve levar o gato para casa. “Mas, fique sabendo, vai passar fome comigo”, vocifera.
Já são cinco horas da tarde e o sol começa a se despedir lentamente na linha do horizonte. A garganta de Paulote pede um trago de cachaça, seus lábios começam a se umedecer, suas mãos tremem. Sinais característicos de que é hora de tomar uma. Para no boteco e toma logo dois copos seguidos. Enxuga o beiço com a camisa velha, cospe duas vezes na calçada e senta-se em cima da guia com os pés no meio-fio da rua.
Durante o dia, come apenas uma coxinha e duas bananas. Com o estômago vazio, a bebida penetra em seu cérebro com a velocidade de um antílope que foge das garras do leão. Sentiu suor na testa, turbidez na visão e tontura.
Fica com a cabeça entre os joelhos um bom tempo até sentir-se melhor para continuar a andar com seu carrinho, pois precisa entregar o material até as 19 horas. Caso contrário não terá dinheiro para o fim de semana. Ainda tonto, levanta-se e nota que uma das caixas, bem no meio do carrinho, ainda está inteira e o homem que compra seu material só aceita o papelão desmontado. Pega a caixa, atira ao chão e pisa em cima várias vezes até ficar do jeito que quer. Enquanto pisa, parece ouvir algum barulho, passarinho piando, criança chorando ou qualquer outra expressão sonora de lamento. Olha para os lado e nada vês. Então, Paulote põe o papelão de volta no carrinho e se dirige ao comprador, com a certeza de que sua cachaça do final de semana está garantida.
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