sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Napoleão


Otávio Nunes

O marido entra em casa e escuta o reclamo da mulher. “Até que enfim você chegou. Estava com medo de ficar sozinha com nosso filho pequeno.” Ele desaba o corpo no sofá e pergunta “O que aconteceu querida?” Nervosa e a gesticular, ela conta que a casa do vizinho da esquina foi roubada por dois ladrões, que levaram eletrodomésticos, dinheiro e jóias.

“Há tempos que peço a você para comprar um cachorro, daquele bem feroz, para proteger nossa casa. O vizinho da esquina não tem um e veja só o que aconteceu”, justifica a mulher e assim começam mais uma discussão. O assunto da querela passa a ser o cachorro. “Você precisa comprar”, esbraveja a mulher.

Ele não gosta de bicho em casa. Inventa mil coisas para mostrar a ineficácia de um cão no quintal. “Faz barulho, cocô, come ração cara, arranha o carro. Enfim, é um transtorno.” Mas não tem jeito. Seus argumentos capitulam frente à insistência da esposa. No sábado seguinte, estão os dois num canil para escolher o bicho mais bravo dali.

“Gostei daquele negro. Tem cara de ruim”, diz a mulher ao dono do canil. O homem explica a ela que é um dobermann chamado Napoleão e se trata de um cão complicado, que ninguém se interessa. “É por isso que eu quero”, responde a mulher, resoluta. A contragosto, o marido leva Napoleão para casa, mas pede que o dono do estabelecimento o acompanhe. Sente medo do animal.

No domingo, ninguém sai de casa. Nem para comprar pão quente na padaria. Comeram pão murcho do sábado. Cada vez que alguém põe o pé para fora, no quintal, Napoleão rosna, mostra seus dentes pontiagudos e baba feito criança.

Na segunda-feira, a mesma coisa. O marido não vai trabalhar. Liga para o chefe e inventa uma desculpa qualquer. Os dois não agüentam mais ficar enclausurados em casa por causa de Napoleão.

“Vou dar um tiro neste maldito cachorro”, grita o homem. “Você não tem arma em casa. E mesmo se tivesse, duvido que faria isto. Você não tem coragem de matar nem o pulgão que infesta nossa horta de couve, que a esta hora o Napoleão já deve ter destruído”, observa a mulher.

“O que faremos?”, pergunta o marido. “Nada”, responde a esposa. “Não vê que agora estamos seguros? Com o Napoleão aí fora, nenhum ladrão entra em casa.”

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Enviado especial


Otávio Nunes

Os nomes das personagens são fictícios, mas a história é verdadeira. Ocorreu na redação de um grande jornal paulista em 6 de setembro de 1972

João Bolinha, editor de esportes do famoso diário Verdade Seja Dita, estava escovando os dentes em seu apartamento em Pinheiros, quando ouviu o rádio na cozinha. Saiu correndo do banheiro e foi para perto do aparelho, segurando a escova de dentes na boca e babando pasta de dente pelo chão.
- Violento atentado terrorista na Vila Olímpica em Munique, na Alemanha Ocidental, mata 18 pessoas, entre elas 11 membros e atletas da delegação de Israel e cinco terroristas. Eles pertencem à facção palestina Setembro Negro e seqüestraram atletas judeus para exigir a liberdade de 230 presos políticos palestinos, que estão em Israel. Atiradores de elite alemães abriram fogo contra o grupo no aeroporto de Munique, causando a morte de 16 pessoas. Dois judeus haviam morrido horas antes, na invasão da Vila Olímpica. As autoridades suspenderam os jogos olímpicos hoje, em Munique.

O jornalista, calejado por anos de batalha com a notícia, foi pego de surpresa, porém se recompôs. Bateu levemente na pança e disse para si mesmo. “Desgraça é horrível, mas costuma dar boa matéria. Nosso enviado especial já deve estar escrevendo uma senhora reportagem sobre este atentado.”

Na portaria, no elevador e na redação do jornal o papo era o mesmo. O atentado em Munique. João Bolinha sentou-se à sua mesa e chamou sua equipe de redatores. “Macacada, não esquentem a cabeça com o atentado. Neste momento nosso enviado especial a Munique está escrevendo a matéria e logo logo receberemos pelo telex. Arrumem outro tipo de notícia e não me encham o saco. Falô?.”

O tempo foi passando. Três horas da tarde, cinco, seis, sete, oito da noite e a matéria não chegava. O diretor de redação, Josético da Silva, saiu de seu aquário (sala), pedindo licença ao vereador que o visitava, reclamando de uma notícia publicada pelo jornal naquele dia, e dirigiu-se ao editor de esportes amadores.

- Little ball, já chegou a matéria?
- Inda não, chefe. Tô esperando.
- Não dá ligar pra este enviado especial? Perguntou novamente o diretor.
- As ligações para Munique estão complicadas. Quase nada na cidade deve estar funcionando direito. Só o serviço funerário, chefe.
Josético não desistia

- Pô, Little ball, já tentou o celular e a Internet?
- Mas chefe, estas coisas ainda não foram inventadas. Estamos em 1972.

O diretor de redação voltou para continuar a ouvir o vereador reclamante.

Vinte minutos depois, um dos redatores retira um papel do telex e chama João Bolinha.
- Maravilha. Chegou nossa principal matéria do dia. Viva, viva. Avisem o chefe, esbravejou Bolinha

O renitente e otimista editor pegou rapidamente o papel. O texto se resumia a duas únicas linhas.

“Hoje não enviarei matérias sobre os jogos olímpicos de Munique. A competição foi cancelada por 24 horas por causa de um atentado terrorista." Assinado: Enviado especial, de Munique para o jornal Verdade Seja Dita.