sexta-feira, 29 de maio de 2009

Voto proporcional de lista fechada


Tramita no Congresso Nacional, com chances de aprovação até outubro, lei que determina o fundo público de campanha e o voto em lista fechada para cargo legislativo. O primeiro vou deixar para lá, apesar de não gostar de ver meu dinheiro usado na impressão de santinhos ou na confecção de camiseta e boné de políticos. Ficarei no segundo tema. Como tudo na vida, há vantagens e desvantagens e cada um que julgue por si. Não quero passar juízo de valor, a favor ou contra, bom ou mal, justo injusto, feio bonito, direita ou esquerda etc.

Este tipo de voto, de lista fechada, por incrível que pareça, é o mais adotado no mundo. Apenas Brasil e Finlândia usam a lista aberta, em que o eleitor vota no sujeito que faz parte de uma relação divulgada pelo partido ou coligação. Chama-se aberta porque é como se o eleitor tivesse uma lista à sua frente e pinçasse um nome lá de dentro na hora de votar (“vem cá meu querido, é você que eu quero”). Portanto, se pode escolher é porque a lista está aberta. Se não pode, está fechada. Lembremos: este voto (fechado ou aberto) é sempre proporcional, porque se trata da escolha de representante legislativo. No Brasil, são os nobres e distintos deputados federal e estadual e vereador. Presidente, governador, prefeito e senador são escolhidos por outro tipo de voto, chamado majoritário, em que o mais sufragado (que palavra feia, mas está correta) leva, em um ou dois turnos.

Nosso sistema eleitoral, porém, é bastante democrático e flexível (tem gente que discorda, mas aí é outra discussão) ao permitir o voto proporcional de lista fechada quando o eleitor escolhe apenas o partido em vez do candidato. Então não é tanta novidade assim para nós. Já praticamos lista fechada, quando escolhemos a sigla, sem saber que tinha esse nome.

Na fechada, partido ou coligação realizam convenção e elaboram uma relação de seus candidatos em ordem de preferência. Se o partido/coligação obtiver voto suficiente para eleger um deputado ou vereador, este felizardo será o primeiro da lista. Se conseguir votos para fazer dois felizardos, os dois primeiros da relação serão eleitos. E assim por diante.

Existe a possibilidade teórica de a lista fechada reduzir o número de voto cacareco, aquele em que o eleitor vota num candidato famoso ou bonitão ou engraçado, folclórico, enfim. Esse sujeito às vezes ganha tanto voto que leva outros eleitos, com votação inexpressiva, juntos com ele e não há injustiça nisso, pois é a lei. Se alguém quiser eliminar essa situação derruba toda a lógica matemática do voto proporcional. É a regra do jogo. Quem entra sabe que isso pode ocorrer. Como vocês viram, o candidato cacareco é muito usado para puxar votos. Ele aparece em toda eleição.

Na fechada, o partido/coligação escolhe seus melhores quadros.
Teoricamente, usar o cacareco não tem sentido, pois o voto não é na pessoa. Por isso, provavelmente os escolhidos serão membros mais dedicados à causa partidária, mais expressivos dentro da agremiação. É até possível reduzir também a infidelidade partidária. Pessoal, tudo aqui é teórico. Não dá para ter certeza de nada, pois estamos falando de futuro e ainda mais num país complicado como o nosso, que distorce qualquer lógica.

Mas tem desvantagens. É possível que surjam oligarquias nacionais, estaduais e municipais, se os primeiros nomes da lista forem sempre os mesmos ou seus cupinchas. Outra desvantagem (e aqui entra a picaretagem do político brasileiro): os primeiros lugares da lista poderiam ser vendidos, rifados, trocados etc. Um candidato sério, mas sem prestígio na cúpula partidária, ficaria no pé da lista.

Então gente, é uma decisão hercúlea escolher entre lista aberta ou fechada. Mesmo porque o nosso problema (agora vou opinar) não é o sistema eleitoral brasileiro (que, repito, é bastante democrático e bem-intencionado), mas a qualidade moral (e aqui entra tudo, caráter, cultura, conhecimento, honestidade, boa vontade etc) dos nossos eleito e eleitor.


quarta-feira, 20 de maio de 2009

O Bur(r)ocrata


Planílio chegou cedo à sua sala, antes mesmo da secretária. Sentia-se preocupado. Mesmo assim ligou o computador e passou a analisar os relatórios de produção. Notou que havia seções e pessoas que não acompanhavam o ritmo geral da empresa. Era necessário mudar o processo, trocar empregados de cargos, demitir outros.

Novamente, sentiu algo estranho na cabeça, sem entender o que ocorria. Sempre fora profissional ativo, ambicioso, audacioso. Jamais tivera problemas de escrúpulos ao mandar empregados embora, transferi-los de um local para outro, sugerir o corte do cafezinho ou mesmo a compra de um papel higiênico de qualidade inferior. Valia tudo para reduzir os custos e aumentar a produção. Seus patrões elogiavam suas decisões na empresa.

No último ano, reduzira o quadro de funcionários em 30%. Os que ficaram faziam o trabalho de dois ou três. Era comum seus subordinados deixar o serviço tarde da noite, exaustos. Ele, Planílio, também dava seu sangue em prol da produção e da qualidade do que ali se fabricava. Dormia tarde da madrugada e acordava cedo, ávido por chegar ao escritório e analisar os relatórios.

Sabia de tudo. Conhecia os atrasos dos empregados, suas idas ao banheiro, formação de rodinhas de papo durante o expediente. Analisava seus relatórios de modo frio. Se o funcionário estava gripado e produzia menos, pouco se lhe dava. Se o sujeito tinha se separado da mulher, não lhe interessava.

Raramente descia ao chão de fábrica para ver os funcionários produzir. “Enxergava” tudo isso nos relatórios. Para que ver a fábrica, se os números lhe bastavam. Mexia pessoas e equipamentos de dentro de sua sala, sempre baseado em seus relatórios.

Foi até a janela e respirou fundo, como se sentisse falta de oxigênio. Não conseguia entender porque estava daquele jeito. Fechou os olhos na tentativa de entender o motivo de tanta angústia. Pela sua mente passaram máquinas, dinheiro, automóveis, homens e mulheres correndo para lá e para cá a gritar “pare de mexer com nossas vidas como se fôssemos números”.

Planílio não se conteve. O desespero foi tamanho que ele saltou da janela, do oitavo andar do prédio da companhia. Por ser burocrata, levou quinze dias para chegar ao solo e outros trinta para morrer.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Mistura explosiva


Um certo átomo de hidrogênio havia tempos estava sozinho. Assaz cansado de tanta solitude, resolveu procurar vaga numa molécula de água. Para tanto, precisava encontrar um de seus irmãos e um oxigênio, nas mesmas condições. Em suas andanças, encontrou gases nobres que não se misturavam com a ralé da tabela periódica, isótopos radiativos de urânio, prestes a embarcar para um país do Oriente Médio, ramificações de carbono e outros elementos. Mas não encontrou nenhum local para se combinar, nenhuma molécula carente de hidrogênio. Abatido, voltando para casa, encontrou no caminho outro igual a ele e resolveram se juntar para formar a molécula H2, o gás hidrogênio, um fluido extremamente inflamável. O mesmo que pôs a pique o famoso dirigível alemão Himdemburg, quando se aproximava de Nova Iorque. Assim que os dois solitários se juntaram e formaram o H2, um homem, que passava por ali, acendeu um cigarro e inadvertidamente jogou o palito de fósforo, ainda aceso, na molécula recém-criada.