sexta-feira, 5 de junho de 2009

"Meu amigo, se ajeite comigo e dê graças a Deus"


Pequena crônica cruel da vida, baseada na música Sob medida, de Chico Buarque

Meu amigo, somos produtos do mesmo lixo. Não valemos o grão de feijão que nos alimenta. Só vivemos sob o mesmo teto porque não temos outro e também em razão de que um ainda interessa ao outro. O dia em que acabar esta conveniência é cada um por si.

“Igualzinha a você, eu não presto. Traiçoeira e vulgar, sou sem nome, sem lar, sou aquela. Sou filha da rua, eu sou cria da sua costela. Sou bandida, sou solta na vida e sob medida pros carinhos seus.”

Se outro homem me deseja, porque não ir com ele? E você? Mais mentiroso e cafajeste que parafuso enferrujado. Vagabundo, vira-lata, sem ofício ou vontade, nutre-se de brisa. Mal consegue pagar suas cachaças e seu pif-paf. Mas comigo não tem comida de graça, tampouco roupa lavada. Parecida a você, trabalho não é prioridade na minha vida.

Não sou mulher de um só homem e jamais quis ser a única e exclusiva de nenhum infeliz. Ganho todas de você, só perco nos músculos, pois nasci fêmea e você ...

Vivo com você, também, para ter alguém a quem xingar, humilhar, amaldiçoar. De vez em quando, reconheço, você serve até para aquietar meus desejos de mulher. Mas hoje sua covardia superou minhas previsões mais pessimistas. Por isso, imbecil, abaixe este braço, sente-se à mesa e coma o resto que lhe deixei. “Meu amigo, se ajeite comigo e dê graças a Deus. Você tem o amor que merece.”

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