terça-feira, 29 de setembro de 2009

Novo prefeito, velha política


O novo prefeito de Beiradinha sentou-se na cadeira estofada e olhou através da janela. Lá fora, os cidadãos andavam de um lado para outro, procurando seu destino. “A partir de hoje, eu os governo”, pensou consigo mesmo o alcaide recém-eleito.

Alguns minutos depois, o secretário de economia e o vereador, líder de governo na câmara municipal, sentaram-se à frente do prefeito.
- Nosso orçamento anual é de trocentos milhões, disse o secretário.
- Isto é ótimo, dá para eu realizar meu plano de governo e pagar os funcionários, ressaltou o prefeito.
- Mas, senhor, nós ainda não negociamos nossa maioria na câmara, lembrou o vereador.
- O que isso tem a ver? (o prefeito)
- Para conseguirmos maioria na câmara, precisamos cooptar mais quatro vereadores. E isto significa...Isto quer dizer...Parte do orçamento vai para obras nas bases destes vereadores. Só assim, passarão para nosso lado e votarão sempre com a gente.
- Meu Deus! No meu programa de rádio eu sempre desci o cacete nestas transações nebulosas. E agora estou dentro de uma. (o prefeito)

Uma semana depois o vereador volta ao gabinete do prefeito

- Negócio fechado. Consegui seduzir cinco vereadores. Agora temos bancada mais que suficiente para aprovar qualquer projeto.
- O que eles querem? (prefeito)
- Temos de construir este ano um galinheiro municipal na Vila das Espigas, reduto do vereador um, uma estradinha ligando a fazenda do vereador 2 ao sítio da vereadora 3 (deve haver algo entre eles), consertar a ponte sobre o rio Dorminhoco, no Jardim das Serpentinas, onde mora o quarto vereador. Já o quinto, quer a visita quinzenal de um médico da prefeitura à Casa da Iraci, na Estrada dos Prazeres, para verificar a saúde das meninas que trabalham lá. Estes nobres parlamentares foram eleitos em cima destas promessas. O secretário de economia me disse que tudo isto irá representar cerca de 63% do orçamento da prefeitura para este ano.
- Como é que é? (o prefeito irado). É muito dinheiro. O que sobra só dá para pagar o funcionalismo e mais algumas obrinhas por aí. Deste jeito não posso investir, não posso cumprir minha plataforma de governo, não dá para priorizar nada. No meu programa de rádio, eu sempre critiquei os outros prefeitos por não investir, não priorizar...
- Senhor prefeito. É pegar ou largar. Sem a colaboração destes vereadores, não teremos maioria e o senhor não conseguirá governar.
- Nunca imaginei que fosse assim. No meu programa de rádio...

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Copo de cada dia


Toninho apertou o botão e seu torno parou de funcionar. Retirou a ferramenta usada e gasta e foi ao almoxarifado pegar outra. Enquanto trocava o dispositivo, para usinar uma nova peça, olhou a máquina ao lado, desligada há dois dias, esperando um novo profissional, e lembrou de seu antigo operador, o amigo Fernando, o Nandão. Que vida besta meu Deus!, pensou Toninho.

Seu colega havia sido morto num assalto, quando chegava à noite em casa. Coitado. Logo agora que ele estava tão contente com o torno novo, importado da Alemanha, dotado de comando numérico computadorizado e software de última geração. Nandão havia feito um mês de curso para trabalhar no equipamento. Até algumas palavras de alemão o danado falava.

Eles se conheciam desde os tempos de Senai. E lá se iam os anos. Fizeram estágio juntos. Foram efetivados no mesmo dia. Grande amigo, o Nandão, lastimou Toninho. Quem iria acompanhá-lo agora na cachaça das cinco, no boteco do Paraíba? Toda tarde, logo que saíam do trabalho, tomavam um copo da boa. E agora? Neste instante, Toninho teve uma idéia. Tomaria dois copos de pinga. Um para ele, outro em homenagem ao amigo, alijado do mundo dos vivos tão precocemente.

No início, Paraíba achou estranho. Mas com o tempo foi se acostumando. Assim que Toninho entrava no boteco, ele vinha com dois copos de cachaça. Toninho bebia o seu e lambia o beiço. Depois falava o nome de Nandão e despejava, feliz, o segundo trago goela abaixo.

Uma bela tarde, assim que o freguês entrou no boteco, Paraíba depositou os dois copos cheios no balcão, como sempre. Toninho disse que a partir daquele dia tomaria apenas um copo de pinga. Por que? Indagou o dono do boteco. Ao que Toninho respondeu: “parei de beber”.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Inveja x gratidão


Roberta chegou ao escritório, sentou-se à mesa e abriu a gaveta para pegar os papéis do trabalho. Sua cabeça, no entanto, estava nas dívidas, pois devia uma quantia razoável ao agiota e seu carro era a garantia de pagamento. Nem se lembrava mais como havia chegado àquela situação, só sabia que tinha de se safar.

No final do dia, pouco antes de ir embora, ela foi ao banheiro e quase trombou com Cleide, outra funcionária, que saía do local. Na pia do lavatório, Roberta encontrou um colar de diamantes. Pegou o objeto e percebeu que o fecho estava quebrado. Era de Cleide. Já tinha visto a jóia no pescoço da colega, uma única vez, porém, numa festa de confraternização de final de ano na empresa.

Não gostava de Cleide. Havia tempos que a odiava, sutilmente, e nem aceitava convite dela para saírem juntas na hora do almoço. Achava que Cleide tinha recebido a promoção que ela, Roberta, merecia, por ser mais antiga de empresa. Outro fato que nutria a inveja, era o marido de Cleide: bonito e bem-sucedido na profissão. E Roberta ainda ansiava pelo casamento. “Ela nem precisa do cargo que ocupa, seu marido já ganha muito bem”, raciocinou Roberta enquanto admirava o colar.

Furtiva, ela achou um modo de apaziguar as investidas do agiota, que toda semana ligava para ela. Através da janela do banheiro, viu Cleide sair pela portaria. Não teve dúvidas. Pegou o colar, enfiou no bolso da blusa e saiu. Assim que pegou a bolsa para ir embora, percebeu que havia esquecido de urinar, entretida pelo achado. Retornou ao banheiro.

De volta à mesa, enquanto pegava a bolsa, sentiu o peso de uma mão na blusa. Era Cleide que recuperava sua jóia, pois um pedaço do colar tinha ficado para fora do bolso. Estupefata e envergonhada. Roberta olhou para Cleide, que disse.
- Oh amiga! Muito obrigada por ter achado meu colar no banheiro e guardado no bolso para me devolver depois.
Pega de surpresa, Roberta não sabia o que dizer e recebeu um abraço efusivo de Cleide.
- Eu sabia que podia contar com você. Quando notei a falta do colar, lembrei-me que você tinha entrado no banheiro depois de mim. Se eu perder esta jóia, não sei o que dizer a meu marido. É um presente de dez anos de casamento, que ele comprou numa viagem ao exterior. Raramente uso este colar. Só peguei para levá-lo à joalheria para consertar o fecho. E quase o perdi, se não fosse você. Meu Deus, Roberta, você é maravilhosa. Amanhã eu pago um almoço num restaurante chique. Pode escolher qual. Você merece recompensa.
Beijou novamente a amiga e foi embora. Roberta continuou atônita, sem dizer palavra.