sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Um trem para as estrelas

Otávio Nunes

Acabo de comprar um jornal e sento-me no banco da praça para lê-lo. A meu lado, um senhor de mais ou menos 60 anos, de braços cruzados, olha constantemente para o lado esquerdo, como se espera por alguém. Chego a pensar que ele está interessado em ler meu jornal e lhe ofereço um dos cadernos.
- Muito obrigado. O jornal não tem nada a me dizer.
- Mas o senhor pode se informar sobre futebol, por exemplo, quer o caderno esportivo? – Insisto.
- Obrigado. Não torço para nenhum time e acho bobagem um bando de idiotas correndo atrás de uma bola.
Caro e barato leitor, você talvez imagine, e com razão, que o velhinho seja um tremendo chato, de mal com a vida. No entanto, ele carrega um semblante feliz e simpático.

Não interpreto mal suas negativas em ler pedaços do meu jornal. Pergunto o que faz na praça, pois parece ter encontro marcado com outra pessoa.
- Estou esperando o trem.
- Como? Questiono novamente. Ao que me responde a mesma coisa, no mesmo tom de voz.
- Mas, meu senhor, estamos numa praça. Não passa trem aqui.
- Passa, sim. Fique aqui mais um tempo e verá o trem chegar.

Não sei por que. Mas permaneço no banco mais alguns minutos a ler meu jornal e curioso em ver o trem. Não tenho outra coisa a fazer, por hora. Passam-se não sei quantos minutos e nada. Resolvo então ir embora e me despeço do homem.
- Boa viagem para o senhor.

Perambulo pelas ruas, olhando vitrines, e meia hora depois volto à praça. Porém, o velhinho não está mais lá. Dirijo-me até o dono da banca, onde comprei o jornal, o mesmo que viu eu me sentar no banco, e pergunto sobre o velhinho.
- Ele pegou o trem – diz o dono da banca
- Meu amigo, com todo respeito, parece que de repente o mundo todo enlouqueceu. Aqui não passa trem algum.
- Passa sim. Sente-se no banco e espere.
Sento-me e minutos depois ouço “Tiuc tiuc tiuc tiuc ...” É o trem. Pára à minha frente e abre a porta. Entro. Só há um vagão e um passageiro: eu. Não sei aonde vai, nem como descer. Mas sinto-me bem sentado aqui, na janela, vendo as pessoas lá fora que nem sequer notam o trem passar perto delas. Lembro-me, agora, de uma música do Cazuza chamada Um trem para as estrelas. É para lá que vou, tenho certeza. “Tiuc tiuc...”

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