Otávio Nunes
Quase todo dia era a mesma coisa. Era só Vandemílton chegar um pouco atrasado que lá vinha a bronca de Joselma, com sua voz metálica inconfundível.
- Saiu com sua amante de novo, é?
- O ônibus demorou a passar, justificou o marido.
A mulher, como era de esperar, não acreditou e desfiou um rosário de impropérios em cima do companheiro. Joselma dizia que ele sempre tinha uma boa desculpa para justificar sua sem-vergonhice.
Vandemílton era metalúrgico, trabalhava numa fábrica de chaves, fechaduras, cadeados, taramelas, trincos, dobradiças e outros dispositivos para prender ou fixar alguma coisa. Apertava parafuso o dia todo. Sofria de uma tendinite eterna na munheca direita. Mas tinha medo de entrar no seguro, ficar bom e não mais encontrar o trabalho na volta. Às vezes o punho doía até mesmo ao levar o garfo à boca.
Alguns dias por semana fazia horas extras e chegava tarde da noite em casa. Mesmo assim encontrava Joselma inflexível.
- Hora extra, nada. É alguma vagabunda que você encontrou no ponto de ônibus. Esta cidade tá cheia de mulher que quer coisa com homem casado e você ainda...
Na verdade, Vandemilton era tão tímido que, se uma mulher lhe desse bola, ele acharia que ela era zarolha e estava olhando para alguém do seu lado. Depois de 13 anos de casado, já estava acostumado aos acessos de Joselma, sua única namorada na vida e aceitava as cenas de ciúme com galhardia. Pouco discutia.
Nas noite em que Joselma dormia nervosa, Vandemílton não a procurava na cama, fato que a irritava ainda mais. O ciúme dela aumentou depois que descobriu um telefone de mulher no bolso do uniforme de Vandemílton, na hora de lavar a peça no tanque. Foi uma noite de desaforos e palavrões impublicáveis. Nem Joselma imaginava conhecer vocabulário tão chulo.
Nem adiantou Vandemílton provar que aquele telefone era da concessionária de água e a mulher, atendente do serviço ao cliente. Ele tinha ligado para mudar a data de vencimento da conta e deixara o telefone com o nome da funcionária no bolso do macacão.
Quanto aos outros atrasos, ele não mentia. Realmente chegava mais tarde por causa do trânsito, do ônibus e por outras adversidades da vida de quem mora na periferia de grandes cidades.
Naquela noite, o cobrador e um passageiro brigaram no ônibus por causa de dez centavos. O homem esmurrou o cobrador, provocando rompimento no supercílio. O sangue desceu, fez meleca nas notas da gaveta e o motorista teve de parar na delegacia para lavrar a ocorrência. Vandemílton chegou três horas mais tarde em casa.
- Qual a desculpa de hoje, seu à toa.
- Fui seqüestrado por um disco voador. Horas depois os ETs descobriram que eu era o homem errado e me deixaram em frente de casa, pelo menos economizei um vale-transporte.
- Essa é nova. Foi a vagabunda quem te ensinou? Porque você não conseguiria pensar nessa história sozinho.
- Mas é verdade. Posso provar, assegurou Vandemílton e abriu a porta.
Um ser estranho, com quatro braços, três pernas, um só olho em cada uma das duas cabeças, gosmento, exalando um gás malcheiroso, alto, magro e de cor indefinível sentou-se no sofá, para espanto de Joselma.
- É o meu seqüestrador, apontou o marido.
Refeita do susto, Joselma não se deu por vencida. Pôs o pano de prato no nariz e perguntou com voz nasalada.
- É macho ou fêmea?
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário