terça-feira, 7 de abril de 2009

Sono sagrado


Otávio Nunes

“Para mim, basta um dia.
Não mais que um dia.”
(Chico Buarque)

Cristônio e seus amigos se reuniram à tarde, após o almoço, enquanto tomavam banho de sol no pavilhão três. O grupo era formado por 14 pessoas. Mas na hora de eles se evadirem pelo túnel, antes da sirene anunciar o fechamento das celas, outras pessoas poderiam aparecer e engrossar o número de fugitivos. Zé Pança, que apesar do nome era mais magro que espaguete japonês, disse que não poderia impedir a presença de outros presos, embora todo o plano fosse feito para um contingente de no máximo vinte pessoas. “Se não, vira bagunça e não dará certo”, preveniu Pança.

Às seis e meia da noite, meia hora antes de as portas das celas serem trancadas, eles tiraram a lona que tapava a boca do túnel e iniciaram a fuga. Cristônio foi o quarto a entrar no buraco, carregando apenas uma pequena trouxa com roupa limpa para se trocar quando estivesse fora da penitenciária.

Deu tudo tão certo que ele mal acreditava que estava novamente pisando numa rua. Trocou de roupa rapidamente, ao lado de um muro, e foi para casa. No caminho comprou um brinquedo para o filho.

Dormiu num banco da rodoviária e pegou o ônibus durante a madrugada. Chegou em sua casa às nove e pouco da manhã do dia seguinte. Sua esposa, embora conhecesse o plano de fuga, não o esperava tão cedo. “Mas tinha de ser hoje”, murmurou Cristônio para a mulher. Abraçou o filho de três anos, nascido quando ele já estava na cadeia, e disse que depois do almoço iria lhe dar um presente. O menino ficou radiante de alegria.

Almoçaram arroz, feijão e picadinho de batata com acém. Um lauto banquete para a família, pois o dia era especial e Cristônio comeu mais que lima nova. Depois deu o carrinho para o menino e ambos começaram a brincar no chão do barraco, até que dormiram na terra batida.

Cristônio foi acordado meia hora depois por dois policiais. Não teve tempo de esboçar qualquer reação, já que suas mãos estavam algemadas. Um dos guardas ia abrir a boca para falar algo, porém o preso rogou: “Levem-me em silêncio. Não acordem o menino. Ele dorme feliz porque hoje é seu aniversário.”

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