quinta-feira, 24 de julho de 2008

O avião e o sonho

Otávio Nunes

Léio olha para cima no exato momento em que o focinho vermelho do avião surge no horizonte, acompanhado de seu barulho ensurdecedor e característico. Pensa o menino que aquele ronco forte dos motores é para amedrontar as nuvens e abri-las para o aparelho passar e exibir seu vôo perfeito como passos de dançarina.
Por estar longe, Léio acha que o aparelho voa lento, a planar. Seu coração de 13 anos palpita de alegria ao imaginar que um dia ele será piloto. Assiste a filmes em que o herói é piloto destemido. Apesar de todas as encrencas em que se mete, o mocinho sempre vence o vilão, conquista a mocinha sem ao menos sujar ou amassar seu uniforme azul marinho e tampouco deixar seu boné cair. Léio sonha pilotar avião com a mesma intensidade com que um médico deseja acabar com todas as doenças do mundo.
Fica com a cabeça levantada durante todo o trajeto daquele pássaro metálico. Acompanha o avião surgir num horizonte e desaparecer noutro, deixando a mesma sensação de vazio que ocorre no teatro quando a atriz sai do palco.
Seus amigos dizem que somente os ricos viajam e dirigem aviões. Gozam do menino sonhador. Mas Léio, forte como fuselagem, não se deixa amedrontar e segura firme as asas de seu desejo entre os dedos. Sabe que seus amigos da rua vão morrer de inveja quando ele estiver pilotando um a jato, daqueles gigantes. Talvez, imagina Léio, ele até coloque a mão fora e acene para seus amigos, lá de cima.
Não são apenas os meninos da vila a sabotar seu sonho. Seu pai pedreiro e sua mãe doméstica, também. “Deixe de olhar para cima, vai pegar torcicolo”, diz a mãe. “Pare de ser bobo, você tem que crescer para aprender uma profissão de gente, de homem”, berra o pai.
No dia em que completa quinze anos, o moleque, crescido e forte, é intimado pelo pai. Começa, então, a trabalhar nas obras que o pai constrói. Depois de algum tempo, por causa de tijolo por carregar, sai também da escola. Mesmo assim, entre um tijolo e outro, Léio ainda olha para cima na tentativa de ver outro avião. Aliás, sem saber motivo, os aviões estão se rareando a cada dia. Mas Léio procura por um no céu. Tem certeza que um dia estará lá em cima, de terno azul, sentado em frente aquele painel cheio de aparelhos, relógios, números e luzes. Gosta de olhar de para o céu porque sabe que se abaixar os olhos só verá as latas de concreto por carregar.

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