Otávio Nunes
Gerolina abriu as portas do pequeno armário, procurou embaixo da cama, dentro do guarda-roupa. Nas gavetas da velha cômoda, então, só baratas encontrou. Vasculhou até mesmo o interior da geladeira imaginária, que sonhava ter um dia dentro de seu barraco de madeira na Favela Manhattan.
De comer, só tinha mesmo o resto de um pacote de macarrão ganho na cesta básica do governo. Dinheiro? Estava todo contadinho para tomar os quatro ônibus no dia seguinte para trabalhar como diarista num bairro distante. Pôs as mãos no rosto e sentiu o cheiro delas. Não sabia se o odor era de desinfetante de banheiro, detergente, alho picado, mofo da madeira ou o suor de seu corpo dentro da mesma roupa havia dois dias.
Sentou-se na poltrona, pedindo licença a uma mola solta. Ligou o rádio na única estação que ainda chiava e sentiu vontade de ter uma televisão e uma antena bem comprida no cume do barraco, segura por um cabo de vassoura. Até marido, novamente, Gerolina desejou naquele momento. Depois sorriu. Pelo menos o único bem de sua vida, além de si mesma, já estava para chegar.
Hinário entrou no barraco com a cabeça baixa. Era o filho dela com um poceiro que morreu cinco metros abaixo coberto pela terra de um buraco que não queria ser cavado. O rapaz beijou a mãe. Ela esperou que ele fosse ao banheiro e assim que voltou pediu para que saísse e roubasse algo que pudesse ser vendido rapidamente, para comprar o que não tinham. “Serve qualquer coisa, até um sapato usado.”
O filho, cansado de freqüentar as unidades prisionais do juizado de menores, disse que não poderia mais praticar nenhum furto. “Doutor juiz me disse que, se for pego novamente, não voltarei mais para casa, pois já sou de maior”, balbuciou Hinário. “Por isso mesmo. Só assim você terá um teto que não pinga, beberá água limpa, comerá todo dia e terá meu carinho uma vez por mês. Agora, vá”
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