segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Uma noite na vida do Doutor Merchol

Otávio Nunes

Doutor Merchol Junqueira deixou o fórum bastante tarde, às vinte e uma horas e chegou em casa trinta minutos depois. Após estacionar o carro na garagem, pegou sua pasta, seus papéis e entrou. A sala vazia, naquela noite, o deixou transtornado. Morava sozinho havia mais de um ano, depois que a esposa tinha fugido com o dentista. Guardou suas coisas e abriu a garrafa de uísque. Mas nenhuma gota caiu no copo. Nervoso, saiu de casa e foi ao bar.

Só saiu do bar quatro doses depois, trôpego como um robô em projeto, o que o fez tropeçar na sarjeta e cair com o rosto virado para o bueiro.

De repente, um enorme rato sai do buraco e o fita bem nos olhos. “Saia daqui bicho ignóbil”, disse doutor Merchol, com a voz pastosa. “Sou tudo isto porque vivo do lixo que vocês produzem”, respondeu o roedor.

“Era só o que me faltava, um rato ecologista e sociólogo”, murmurou o doutor. “Também faço trovas e canto para minhas fêmeas”, disse novamente o roedor. Doutor Merchol achou aquilo um achincalhe e mostrou sua indignação. “Rato é rato. E rato é sempre sinônimo de sujeira e infâmia. Se estivesse em condições, eu o esmagaria com um chute no meio do estômago.” Depois de dizer tais palavras, fechou os olhos e dormiu ali mesmo.

No dia seguinte, acordou tarde, com os olhos ardendo e a cabeça latejando de dor. “Acorde doutor, beba este remédio, tome um banho e vá para a cozinha, pois seu café da manhã está pronto. O senhor tem reunião no fórum às onze horas.” Era o rato que o chamava, vestido de mordomo.

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